Autor convidado: Rodrigo van Kampen, professor de escrita criativa*
Você sabe o que é necessário para escrever um bom texto?
Certa vez, em meu trabalho como editor, recebi um conto de ficção de máfia. O que me chamou a atenção, no entanto, foi o breve texto que acompanhava a biografia do autor: "nunca li nenhum livro do gênero que escrevo para garantir que minha ficção seja original".
Respirei fundo e comecei a ler a história de um detetive em Chicago, o ano era 1922. A fumaça espessa do cigarro impregnava o escritório antigo, quando uma linda mulher aflita aparece com um caso...
Alguém definitivamente não sabe o significado da palavra "original".
Sempre que apresento meu curso de escrita criativa, alguém aparece com essa noção de que para escrever de maneira criativa é preciso desconhecer regras, padrões e modelos. Na verdade, é o contrário, padrões libertam. Talvez nas artes plásticas o exemplo seja mais claro, de que é preciso aprender a representar a realidade para então desconstruí-la de modo inovador.
Mas vem cá, vamos cortar o blá blá blá. Eu sei que você quer mesmo são algumas dicas para melhorar o texto do seu blog. E é neste ponto mesmo que eu já vou chegar:
Ninguém é uma ilha. Estamos imersos em contextos, em cultura, em histórias. Escrever de maneira cativante é compartilhar o seu universo, ou ainda, escrever é construir pontes.
Uma ponte cria uma conexão entre dois lados, entre quem visitou o lugar e quem está na frente de um computador montando um roteiro, ou apenas sonhando com a viagem dos sonhos.
Assim como uma ponte precisa de um mínimo de engenharia para funcionar (você pode atirar tijolos à vontade sobre um rio e ainda não ter uma ponte), um bom texto tem sua estrutura básica para se manter em pé. Nossos tijolos são as palavras, e as regras gramaticais da língua portuguesa o cimento que os mantém coesos. Sabendo disso, qual a forma da sua ponte?
Deixe-me aproveitar a metáfora para explicar a lição mais básica da cartilha do tal Storytelling, um presunçoso termo em inglês que nada mais é que a arte de contar histórias (o problema do termo é que você só vai encontrar artigos explicando como usar storytelling para vender mais sabonetes, e nós sabemos que histórias são muito mais poderosas que isso).
Assim como uma ponte tem duas bases e um meio suspenso (ou começo, meio e fim), um bom texto tem três coisas: gancho, amarra e recompensa, que em inglês usamos "hook", "hold" e "payoff".
Gancho é o início do seu texto. Como se diz no truco, quem leva a primeira, leva o jogo. No primeiro parágrafo, ou até na primeira linha, está a sua chance de conquistar o seu leitor. Se no primeiro parágrafo você ainda não conseguiu enganchá-lo no texto, é provável que ele tenha um vídeo de gatinho mais divertido para olhar. Aliás, em tempos de redes sociais que mostram um "resumo" do texto, esse espaço é realmente tudo o que você tem.
"Mas Rodrigo, como eu faço isso?"
Há vários truques, mas não temos tempo para explorar todos por aqui. Um deles é começar com uma pergunta. Somos criaturinhas particularmente curiosas, e queremos saber as respostas. Outro é começar a contar uma história, assim de sopetão. Queremos saber o que acontece depois.
Amarra é o sabor do texto, o recheio de ganache que faz você pedir uma fatia a mais, sim, por favor. São pequenos ganchos espalhados pelo texto que mantém a leitura firme e forte, recompensam, geram curiosidade, criam empatia.
Você pode fazer isso com os mesmos ganchos acima. Ou, meu amigo, com um breve vocativo. Ou com metáforas, capazes de evocar sensações gostosas como uma boa música num dia chuvoso.
E por fim temos a recompensa, o final do texto. Se o começo é a parte mais importante, o final é o momento do arremate. Veja bem, todo gancho contém uma promessa: "ei, leia este texto, que você vai aprender algo/conhecer um lugar novo/descobrir um truque." No final é hora de revelar o segredo, entregar a recompensa.
Um bom final deixa o leitor com um gostinho de ter valido a pena o investimento de tempo, pode até deixá-lo pensando no assunto. Um final ruim dá a impressão de um texto cortado ao meio, uma frustraçãozinha amarga. Ah, o truque? Há diversos modos de encerrar um texto, o mais confiável é fazer uma ligação com o começo. Uma ponte, lembra? Retomar a ideia inicial, responder a pergunta, terminar a história, ou acrescentar um detalhe.
Se o começo precisa ser muito bem trabalhado para conquistar o leitor, o final é que garante os famigerados comentários e compartilhamentos.
"Ah, mas eu vi naquele curso que o primeiro parágrafo tem que ter todas as palavras-chave e o título e..." Calma. Respira fundo, pronto.
SEO (Search Engine Optimization - técnicas para melhorar a encontrabilidade do seu blog) é importante sim. Trabalho com redação corporativa online, e o primeiro requisito de todo briefing que cai no meu e-mail é "ser encontrado pelo Google". Porém, dá para conciliar as duas coisas. Um bom texto é aquele que usa palavras simples, curiosamente aquelas que as pessoas mais buscam. Você pode usar palavras-chave nos intertítulos e contar histórias entre elas.
Acontece que o Google não utiliza somente o conteúdo do texto para determinar a posição de uma página. O número de acessos e o número de links para lá também conta pontos. Para isso você precisa de leitores, e é para eles que você deve escrever o seu texto. Além do mais, não adianta ficar tão focado nos truques para conquistar o Google, que muda os algoritmos toda hora; mais interessante estudar como conquistar pessoas, com técnicas baseadas em séculos de teia social.
Sobre o primeiro parágrafo, existe um truque ótimo, que costumo reservar aos alunos dos meus cursos, mas vou contar aqui: você pode usar um "primeiro parágrafo falso", ou uma "linha fina" com suas palavras-chave, visível mas em formatação diferente do resto do texto. O Google vai ler e achar importante, já o seu leitor não dará muita bola. 😉
Para quem está enroscado na escrita, outra boa dica é investigar o objetivo do texto. Parece óbvio, mas um texto pode ter muitas facetas. Qual é o objetivo para você? Para o seu blog? E para o seu leitor?
Eu posso estar escrevendo um artigo para ajudar o meu blog no rankeamento com determinada palavra chave, que vai me ajudar a vender tal pacote, mas também preciso incluir estas informações de um publieditorial. Tá, mas e o leitor? O que ele vai ganhar lendo o aquilo? Eu quero que o leitor fique com vontade de visitar tal lugar? Quero conversar com quem já está planejando a viagem e talvez possa aproveitar uma dica ou outra? Investigar isso vai ajudar a direcionar o texto para um caminho melhor.
Até agora falei de detalhes básicos de um bom texto (ou de storytelling, como preferir). Um pouco de estrutura, algumas dicas para um temperinho. "Hook, hold e payoff" nada mais é que a estrutura de narrativa clássica em três atos. Quanto mais você conhece, mais recursos você tem para trabalhar em cima do texto.
A prova de que o conhecimento das regras só torna um texto mais criativo é a chamada "escrita constrangida" (constrained writing), técnica de escrita, muito utilizada na poesia, que consiste em inventar regras que impedem que você vá pelo caminho mais fácil e óbvio. Por exemplo, no piema (pilish), as palavras precisam ter o número de letras correspondente à sequência do pi. Na frase abaixo cada palavra tem o número de letras correspondente ao pi (3,14159265):
Viu, o gato é sábio, autêntico na índole sagaz.
Quando não há regras o suficiente para deixar nosso texto mais criativo, inventamos restrições.
O que meu amigo autor lá do início do texto falhou em perceber é que sem entender como um texto funciona, tendemos ao caminho mais batido. Conhecer bem os tropos e estruturas do que você está escrevendo é como ter um mapa mais amplo, que permite desvios e atalhos.
Vou encerrar contando sobre uma outra história de máfia, esta de minha autoria. O texto da contracapa é este:
"Anos após a abertura dos portais, cucas, unhudos e sacis ainda têm dificuldades em se integrar à civilização humana. Para um lobisomem como Rhalfe, tornar-se braço de Victor Sombrera é uma das poucas opções de trabalho honesto. Dependendo de quão ampla é a sua definição de 'honesto'. Trabalho Honesto é uma novela cyberpunk em uma Campinas futurista."
Quando apresento o livro, muitas vezes recebo uma expressão confusa enquanto o ouvinte tenta acomodar a ideia, e o comentário: "nossa, cyberpunk folclórico? Que criativo!" Acontece que eu não inventei quase nada, eu sei exatamente de onde veio cada elemento presente no livro. Eu só agrupei algumas coisinhas.
Isso é escrever de maneira criativa. Conhecendo, juntando, misturando.
*Rodrigo van Kampen é redator publicitário e editor da Trasgo, revista de fantasia e ficção científica. É professor de escrita criativa no curso Como Criar e Melhorar seu Blog Viagem, do Estúdio Sunday – que teve uma turma especial para associados da ABBV em 2017 – e criador do Curso de Storytelling: como contar histórias na internet, do site Viver da Escrita.
Publicado em Criação de conteúdo
2 COMMENTS
Camila Fernandes - posted on 24/09/2018 20:28
ReplyAdorei, Rodrigo. obrigada por compartilhar seu conhecimento com a gente.
ABBV - posted on 29/09/2018 15:32
Obrigado pelo comentário, Camila! Ficamos felizes de saber que você gostou das dicas do Rodrigo 🙂