Setor ganhou novas empresas e roteiros e vem aumentando participação e debates dentro do turismo
Por Guilherme Soares Dias, do Guia Negro
O aumento da consciência racial e a busca por viagens com maior representatividade, além do chamado letramento racial, em que há aprendizado sobre questões de raça, tem feito o afroturismo crescer nos últimos cinco anos. Essa vertente do turismo foca no conhecimento da cultura e história negra, além do incentivo a consumo de afroempreendedores. O afroturismo se une a outros movimentos como o turismo consciente, comunitário, sustentável e também ao LGBTQIAP+, que já ocupavam eventos do setor e tem seu nicho do mercado consolidado.
A presença de pessoas negras no turismo brasileiro ainda é tímida, mesmo com o total de pessoas de cor preta e parda somando 56% da população. Não há pesquisas do Ministério do Turismo ou de agências do setor que apontem qual o percentual de negros entre viajantes, mas é visível em aviões, hotéis e passeios turísticos que o número de negros nunca ultrapassa a metade como ocorre quando olhamos a população geral do Brasil.
A imersão pela gastronomia, história, museus, lugares e personagens negros ocorre há várias décadas. Mas foi só há cerca de cinco anos que os atuantes neste setor passaram a denominá-lo de afroturismo, dando ênfase ao prefixo “afro” que remete à diáspora africana, em detrimento do até então chamado turismo étnico, que também engloba outras etnias, incluindo aí a branca.
Desde 2017, uma série de empresas surgiram e vem puxando esse mercado. É o caso da Diaspora.Black, uma espécie de concorrente do Airbnb, que oferece hospedagens na casa de pessoas negras, experiências turísticas, além de cursos. Há ainda agências como a Brafrika Viagens e Black Travellers, que se juntaram a iniciativas mais antigas como Afrotours e Rota da Liberdade. Além de empresas de roteiros a pé, como o Guia Negro, Rotas Afro, Sou Mais Carioca, Conectando Territórios, Rio Encantos, Guiadas Urbanas, e tantas outras que se unem em eventos como a II Conferência Virtual de Afroturismo, que ocorreu em 2021.
A atuação dessas empresas vem sacudindo o mercado que viu uma nova demanda: a necessidade de maior diversidade no turismo. Com a morte de George Floyd, em 2020, e a onda de antirracismo chegando as empresas o debate do tema passou a ser urgente. A cada evento, de um mercado acomodado a discutir as mesmas pautas, os atores do setor passaram a cobrar sua presença necessária. Foi assim na Abav 2020, está sendo assim na Expo Rio 2022 e será assim no WTM e em qualquer outro evento do setor.
Não dará mais para deixar o afroturismo de fora, assim como não dá mais para ignorar viajantes negras na comunicação visual do turismo, nem na contratação de pessoas negras na equipe. Um passo ainda escanteado pelo setor tem sido a oferta de capacitações de letramento racial para os funcionários entenderam a complexidade do racismo no Brasil e terem munição para ajudarem a combatê-lo no dia a dia. Essa lição de casa, que a Associação Brasileira de Blogs de Viagem (ABBV) já começou por meio de uma consultoria, ainda precisa ser feita pelos players do setor.
Dados
As viagens estão na pauta das pessoas negras no Brasil e a preferência dos afroviajantes é por capitais da região Nordeste e com forte história negra presente. Uma pesquisa encomendada pela empresa de consultoria em diversidade AFAR Ventures para a startup de pesquisa online, Painel BAP, o primeiro painel de consumidores e pesquisa online afrobrasileiro, realizada entre os dias 12 e 17 de dezembro de 2021, com 1067 internautas em todo Brasil (que se autodeclaram pretos ou pardos), aponta que 64% dos entrevistados pretendem realizar pelo menos 1 viagem de férias nos próximos 12 meses.
Nos EUA, o chamado Black Travel movement é um mercado consolidado que reúne diferentes empresas que levam pessoas negras para viajar em países da diáspora africana e também pelo próprio país. Os viajantes negros dos EUA gastaram US$ 109,4 bilhões em viagens de lazer em 2019, o ano antes da pandemia da Covid-19. Esse gasto foi gerado por 458,2 milhões de estadias de viajantes negros nos EUA, o que representa 13,1% do mercado de viagens de lazer dos EUA. Os dados fazem parte do relatório The Black Traveler: Insights, Opportunities & Priorities, estudo criado pelo MMGY Travel Intelligence.
O relatório mostrou que em 2019 viajantes negros fizeram uma média de 3 viagens de lazer de mais de um dia e passaram cerca de 13 noites em acomodações pagas. Os grupos de viagens negros dos EUA gastaram em média US$ 600 em cada pernoite de lazer, com uma estadia média de 2,5 noites para cada viagem.
No mercado corporativo, mesmo com gasto alto, os profissionais negros que viajam para negócios continuam a encontrar dificuldades ao organizar eventos para grupos negros. Deles, 84% planejadores de reuniões indicam que alguns destinos são mais acolhedores em reuniões com uma maioria de participantes negros do que outros, e 42% dizem que seus participantes se sentiram indesejados em um destino no qual já participaram de uma reunião no passado.
Dessa forma, não é surpreendente que o boca a boca tenha sido indicado como a principal fonte de informação ao se considerar os destinos dos hosts. Os profissionais corporativos também confiaram no compromisso transparente de um destino com a diversidade, com 77% procurando representação nos materiais de marketing do destino como um indicador-chave de receptividade e 80% analisando a composição racial diversa do destino.
É essa a tendência e realidade irreversíveis que vemos por aqui também. Preparem para ver cada vez mais o tema ser debatido. E, sim, todos nós (brancos e negros) temos lugar de fala (mas não necessariamente de protagonismo) para falar de afroturismo e para conhecer e divulgar destinos e iniciativas focadas em narrativas com protagonismo negro. Afinal, se viajar pode ser uma experiência transformadora porque não pode ser inclusiva?
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